Paula Rego: Mudam-se as histórias, mudam-se
os estilos
Curadoria: Catarina Alfaro
13 julho 2023 a 31 março 2024
A exposição Paula Rego: mudam-se as histórias, mudam-se os
estilos reúne uma série de obras que revelam o processo
criativo de Paula Rego que lhe permitiu construir um território
figurativo único e pessoal. Neste território as histórias
funcionam, desde o início do seu percurso artístico, como
verdadeiras estruturas realistas que, no entanto, despertam na
artista uma visão desagregadora da estabilidade ou universalidade
de algumas destas narrativas.
Durante a década de 60, Paula Rego desenvolveu uma linguagem
figurativa pessoal para expressar as suas emoções e sensações
extremadas, refletindo a sua obra a dimensão complexa das questões
com que se debateu durante o seu crescimento e início da sua vida
adulta: a rigidez da realidade política e social de um regime
ditatorial, manifestamente patriarcal e católico, em que as
sensações do medo, da ansiedade, da agressão, da raiva e da
sexualidade reprimida se impunham e às quais sentiu necessidade de
responder ou de confrontar através da pintura. Também a sua
educação artística superior, entre 1952 e 1956, na Slade School of
Fine Art, em Londres, foi determinante para o desenvolvimento
individual através de práticas mais experimentais da figuração que
exploravam a invenção formal associada à abstração e incluíam
elementos autorreferenciais ou autobiográficos.
Os anos 80 coincidem com mudanças pessoais, sociais e artísticas
que provocam em Paula Rego um sentimento de liberdade em relação a
determinadas convenções impostas quanto ao modo de «fazer arte» e
que se traduzirá numa reformulação do seu processo de trabalho. A
presença e o confronto com as suas emoções através da pintura
desencadeiam-se quando estabelece uma linguagem visual radicalmente
nova para contar as suas histórias, criando um universo complexo e
ambíguo em que os animais são criaturas com qualidades e
comportamentos humanos, atiradas para situações peculiares, dramas
vívidos e que invadem ruidosamente a sua pintura.
No início da década de 1990, na sequência do reconhecimento
alcançado por Paula Rego no meio artístico londrino, deu-se um dos
acontecimentos mais relevantes do seu percurso: a passagem pela
National Gallery, em Londres, tendo sido a primeira artista
convidada para o programa de residências artísticas iniciado,
precisamente, nesse mesmo ano. Tal experiência resultou na produção
de obras numa relação direta com a coleção deste museu, deixando-se
guiar pelos Mestres da Pintura Antiga e, através deles,
reposicionando-se perante questões essenciais da técnica da pintura
e do desenho. A relação de proximidade com as obras do passado
teve, por essa razão, repercussões significativas no habitual
processo de trabalho da artista, que reclamara até então a sua
inspiração «sempre à arte popular, nunca aos grandes
mestres».
Desde a década de 1990 e até ao final do seu percurso artístico,
a sua metodologia de trabalho complexifica-se. Para a concretização
das suas pinturas, há um primeiro momento em que as personagens/os
modelos são escolhidos num rigoroso casting dirigido pela
artista. Quando não encontra o modelo ideal, cria um «boneco»
tridimensional numa materialidade fabricada com o mesmo impulso
artístico. De seguida - e muito importante para o rigor táctil da
cena -, escolhe as roupas, muitas delas encontradas nos bastidores
das salas de espetáculo londrinas e em antiquários, vestindo todos
os intervenientes para o momento narrativo pictórico. Juntam-se
ainda outros elementos-chave à composição: mobiliário e objetos
decorativos são metodicamente incorporados. As personagens ocupam
este espaço cenográfico, intervindo diretamente nele,
posicionando-se em cena de acordo com o seu papel principal ou
secundário, atualizando assim as histórias.
Paula Rego pintou para contar e foi, simultaneamente, personagem
e narradora de histórias intemporais, reinscrevendo-as no seu
próprio tempo. A dimensão narrativa, sempre presente na sua obra, é
organizada a partir da vivacidade e solidez do seu mundo
imaginário. Será através do vasto universo das histórias - dos
contos tradicionais portugueses aos contos de fadas; dos romances
da literatura portuguesa e inglesa, das peças escritas para teatro
ou das adaptações destas histórias para o cinema de Walt Disney -
que a sua pesquisa figurativa pela via da fantasia e da imaginação
ganha, na sua obra, uma importância maior.
A sua personalidade insubmissa e o combate por uma liberdade de
expressão levaram-na a declarar independência perante os movimentos
artísticos do seu tempo e a uma redefinição constante da sua
linguagem figurativa. Este traço distintivo obrigou-a a uma
constante subversão das convenções e dos limites impostos por uma
qualquer tradição artística ou condicionantes próprios de uma
técnica específica.