Pra lá e pra cá
Paula Rego
26 de outubro de 2017 a 15 de abril de 2018
A obra de Paula Rego não conhece limitações, não se cinge ao
domínio das artes visuais, cruzando-se sempre com outras
manifestações artísticas como a literatura, o cinema, o teatro,
pois são estes os territórios privilegiados das histórias. Menos
comum é assistirmos ao processo inverso, em que o seu multifacetado
imaginário ganha forma para além da tela ou do papel, ao servir de
ponto de partida para uma composição musical e uma obra
coreográfica.
Foi exactamente isso que aconteceu em 1989, quando a compositora
inglesa Louisa Lasdun se cruzou com as "Nursery Rhymes" da pintora,
então expostas na primeira exposição individual da artista na
Galeria Marlborough, em Londres. As gravuras tiveram um tal impacto
sobre a compositora que, à medida que as observava, Lasdun foi
imaginando não só a composição musical de um bailado, como os todos
detalhes do espetáculo: coreografia, cenários, luz, fatos…
Foi esse o momento que esteve na origem do bailado Pra lá e
pra cá, apresentado na Fundação Calouste Gulbenkian durante a
temporada de 1998-1999 do já extinto Ballet Gulbenkian, com
figurinos da autoria de Paula Rego, concepção musical e título
original de Louisa Lasdun e coreografia e cenografia de Stijn
Celis. O envolvimento de Paula Rego neste espetáculo prende-se com
o facto de toda a sua concepção, começando pela composição musical
criada entre 1990 e 1993, ser diretamente inspirada num conjunto de
gravuras de sua autoria baseadas nas Nursery Rhymes
(cantigas e rimas infantis inglesas). Realizada em 1989, esta série
recria visualmente o universo da tradição oral inglesa povoado de
histórias que as crianças contam umas às outras, em forma de
lengalengas, e que Paula Rego também aprendeu durante a sua
infância no colégio inglês St. Julian's School, em Carcavelos.
Será após o nascimento da sua primeira neta que as Nursery
Rhymes regressarão ao seu quotidiano e é neste contexto
familiar que vai resgatar para o papel as imagens insólitas
contidas naqueles versos, tantas vezes pronunciados e imobilizados
no presente, cruzando-as com outras imagens enigmáticas de um
universo que é apenas seu. O processo de criação das gravuras foi,
segundo Rego, "torrencial (…); as histórias estavam lá e comecei
pelas que a minha neta conhecia (…). Comprei o livro [Nursery
Rhymes] dos Opie, à noite lia uma história e de manhã já tinha
uma imagem; e as imagens saíam, saíam, saíam." As criaturas
fantásticas que povoam estas obras e o modo como interagem remetem
para um universo onírico, um mundo de sonhos de magnético
encantamento para onde somos irremediavelmente puxados.
No bailado Pra lá e pra cá explora-se através da música
e da dança essa dimensão de fantasia e mistério que Paula Rego
colocou nas suas visões das Nursery Rhymes. O movimento e
o dinamismo que muitas das gravuras transmitem ganham vida na
corrida vertiginosa das personagens, que dançam, contracenam e se
transfiguram em palco, sendo o momento mais marcante do espetáculo
aquele em que as crianças se transformam em pássaros.
Para além das gravuras da série "Nursery Rhymes" e dos
figurinos realizados pela artista, são apresentados nesta exposição
trajos de cena e elementos cenográficos, fotografias que documentam
o processo criativo deste espetáculo, bem como outros registos
documentais dos bastidores e ensaios do bailado, recuperados graças
à colaboração estabelecida com os Arquivos Gulbenkian e com o Museu
Nacional do Teatro e da Dança.
Catarina Alfaro
Curadora e Coordenadora da Programação e Conservação da Casa das
histórias Paula Rego